Entrevista com Sérgio Quintella: O Brasil e a demanda por infraestrutura
FGV PROJETOS: QUAL FOI A SUA EXPERIÊNCIA NO SETOR DE INFRAESTRUTURA?
SERGIO F. QUINTELLA: Sou engenheiro de profissão e de coração. Formei-me pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em plena fase “desenvolvimentista”, com um Plano de Metas voltado para a construção de usinas hidroelétricas, estradas de rodagem e ferrovias, construção de aeroportos e portos e, finalmente, como síntese do programa, a construção de Brasília no Planalto Central. Toda a minha atuação na engenharia está ligada a projetos e obras nesse setor, desde a construção do sistema de abastecimento de água do Guandú (obra de enorme proporção em sua época), no Rio de Janeiro, ao vão central da Ponte Rio-Niterói. Presidi a companhia responsável pelo projeto da Usina de Itaipú, de grande parte do sistema de transmissão de energia elétrica, das ferrovias para transporte de minério e do sistema Carajás (minas, ferrovia e porto), no Norte do Brasil. Aliás, e aqui permito-me uma digressão, quando se fala em ferrovias, rodovias, portos e aeroportos, a palavra correta é logística, fundamental para o escoamento da produção e, muitas vezes, responsável pela competitividade internacional de commodities como soja e minério, por exemplo. A área de infraestrutura, portanto, sempre ocupou lugar de destaque em minha trajetória profissional.
De 1957 até início dos anos 80, quando houve a crise cambial e o Brasil correu o risco de não cumprir suas obrigações internacionais, tivemos grandes investimentos no setor de infraestrutura. A partir de então, e durante mais de 25 anos, a necessidade de ajustes fiscais conteve os investimentos públicos neste setor, o que somente agora parece estar sendo retomado. Durante esse período de estagnação, houve uma redução significativa na formação de engenheiros. Não havendo obras de infraestrutura, muitos jovens migraram para outras áreas e, atualmente, há uma carência muito grande de engenheiros treinados, com vivência e experiência em obras de infraestrutura de grande dimensão. É uma razão pela qual, por exemplo, algumas empresas brasileiras estão sendo obrigadas a contratar engenheiros estrangeiros para trabalhar no Brasil.
FGV PROJETOS: QUAIS AS ETAPAS QUE DEVEM SER OBSERVADAS PARA O SUCESSO DE UMA OBRA DE INFRAESTRUTURA?
SERGIO F. QUINTELLA: Qualquer obra de engenharia exige um conjunto de etapas a serem percorridas para que o empreendimento possa ser conduzido dentro dos padrões de segurança, qualidade e custos. As obras de infraestrutura não fogem a essa regra, antes devendo ser integradas a um planejamento feito com antecedência, muito antes da sua execução, nos canteiros de obra e que se desenvolve nas pranchetas e computadores dos engenheiros projetistas. O projeto, antes de tornar-se um trabalho de detalhamento de fundações, estruturas e especificação de equipamentos, passa pelo chamado projeto básico, peça fundamental, por exemplo, para a escolha do traçado, avaliação das condições de solo, regime de chuva etc. Somente a partir deste projeto básico, é possível avaliar os custos do empreendimento com alto grau de precisão. Segue-se o projeto detalhado e o início das obras.
Sem um projeto básico de qualidade, não é possível desenvolver um bom orçamento, ou mesmo uma concorrência para que os preços se encaixem dentro do que foi planejado. Essa é uma das razões pelas quais algumas obras no Brasil são orçadas por determinado valor e terminam custando duas ou três vezes mais.
FGV PROJETOS: QUAIS OS REFLEXOS DA INFRAESTRUTURA NO CHAMADO CUSTO BRASIL?
SERGIO F. QUINTELLA: Nesse momento de retomada de investimentos no setor de infraestrutura, uma questão que deve ser debatida refere-se ao chamado Custo Brasil. Por que determinados produtos brasileiros, seja no campo siderúrgico, químico, petroquímico etc. têm um custo de fábrica competitivo com os do mercado internacional, mas, quando colocados no mercado, são mais caros do que os seus concorrentes estrangeiros?
O Custo Brasil é um resultado de vários fatores, sendo que muitos deles estão fora do controle dos empresários que têm aqui suas atividades produtivas. Eles incluem a elevada carga tributária, o custo da energia elétrica, a complexidade do sistema de impostos e taxas, a legislação trabalhista e por fim uma deficiente infraestrutura.
O economista Claudio Frischtak, em trabalho recente examinando as perspectivas do Brasil e da China, grau de compatibilidade e os investimentos em infraestrutura, assim se manifestou:
“No Brasil, ainda investe-se pouco em infraestrutura. Nas últimas duas décadas, os investimentos estiveram em média em torno de 2,3% do PIB, redução considerável quando comparado ao período que se inicia na década de 1970. Com exceção do setor de telecomunicações, a queda nos demais segmentos foi acentuada e possivelmente os investimentos - no seu conjunto - incapazes de cobrir a depreciação do capital fixo, estimada em 3%. A implicação é clara: deterioração na qualidade e custos dos serviços, contribuindo para a baixa produtividade da economia e arrestando - pelo lado da oferta - o crescimento.
Uma comparação dos investimentos do Brasil em infraestrutura com os de outras economias emergentes, mostra não apenas considerável dissonância, mas uma lenta recuperação. Na realidade em 2011 houve uma nova inflexão - a taxa de investimento caiu para 2,05%, e possivelmente será inferior a 2% do PIB em 2012.”
Não há, no Brasil, infraestrutura para escoar a produção brasileira adequadamente. Isso acontece com o agronegócio da Região Oeste, por exemplo, que não possui uma rota de transporte alternativo pelo Pacífico e deve cruzar todo o país para chegar aos portos que o levarão ao mercado internacional. A experiência de transporte de combustível por alcooldutos é extremamente recente. O minério produzido pela Vale, em Carajás, é uma exceção nesse cenário. Isso porque a Vale, antes de ser “apenas” uma grande empresa de mineração, é sobretudo uma excelente operadora de logística, capaz de utilizar ferrovias e portos de alta eficiência e, assim, competir com vantagens em mercados longínquos, como os japoneses e chineses. A meu ver, as perspectivas da área são enormes e variadas, as oportunidades estão abertas para todos os setores e deverão atrair o capital nacional e internacional. O setor de infraestrutura, certamente, é o que mais levará à redução do Custo Brasil, aumentando a competitividade do país e tornando-o mais atrativo ao mercado internacional.